Obrigado tiozinho. Tiozinho?


Sentado em meu escritório, alternando entre redes sociais e matérias, um barulho me interrompe: era uma pipa caindo bem na minha janela. Nada anormal, se não fosse a segunda em três dias.

Quando eu era criança, vivia pedindo a Deus para que uma pipa caísse sobre o meu quintal. Eu morria de vontade que isso acontecesse só para mostrar aos meus amigos que eu tinha sorte. Mas eu cresci e isso nunca aconteceu.  Comecei a lembrar...

Eu adorava brincar com pipas. Certa vez, até fui atropelado por um carro enquanto corria atrás de uma.  Gostava de ver aquela mistura de papel com varetas de bambu desfiando cores pelo céu. Claro, quem não gostava muito da ideia era minha mãe, já que eu acabava com os sacos pretos de lixo que ela tinha em casa para fazer as “rabiolas”. Além disso, eu estava sempre no pé dela pedindo “um real” para comprar algumas jardas de linha. (Sim, com R$ 1 se fazia muita coisa há 15 anos: Kinder-Ovo, uma hora de vídeo-game, sorvete pinta-língua, diversos guarda-chuvinhas de chocolate, figurinhas para o álbum dos Cavaleiros do Zodíaco e tantos outros, enfim... O beija-flor era a espécie favorita da criançada).

O fato é que eu nunca fui muito bom com as pipas. Eu dava tudo de mim, mas tudo que eu conseguia era ter meu brinquedo indo embora pelos céus e alguém gritando: “relo” (Gíria utilizada quando a linha de uma pipa é cortada por outra). Talvez por isso, eu desejava tanto que uma dessas pipas caísse sobre o meu quintal.

Eu perdi muitas delas com o relo.  Bem por isso, eu não gostava dessa brincadeira, se é que se pode chamar assim, afinal muita gente já ficou gravemente ferida por conta dos cortantes. Estima-se que cerca de 50 pessoas são feridas com o material todos os anos no Brasil. Vale lembrar, que ele é proibido em nove estados do país. Mas vai dizer isso para criança... Eu mesmo, na tentativa de me manter entre os sabichões, saía à procura de garrafas velhas para fazer a mistura e tentar cortar as de alguém. Como eu não era muito bom, nunca consegui.  O máximo que alcancei foi embramar a rabiola da minha pipa com a do meu melhor amigo e isso não foi muito legal já que os dois perderam o único brinquedo. 

Bom, voltando ao hoje, peguei a pipa e sai em direção à rua para presentear algum menino. No corredor, me dei conta de que, meu maior desejo de criança estava sendo cumprido e, o que eu fazia? O entregava para alguém. Claro, isso já não era mais importante para mim. Aproximei-me do portão e lá estavam três garotos de aproximadamente dez anos. Falei em voz alta:

- Pessoal, essa pipa caiu aqui em casa. Será que...

- Dá pra mim tio?

- Não, dá pra mim!

- Pra mim!

Foi um atropelo só... Quando virei de costas, um deles, o que havia pegado a pipa, gritou para os amigos:
- Ô cabeça! Olha o que o tio me deu! Obrigado aí tiozinho.

Eu parei, engasguei com alguma palavra que nem sei qual era e saí resmungando. É claro que não gostei do “tiozinho”, mas vale a pena refletir.  Passei a minha infância toda desejando intensamente que uma pipa caísse sobre meu quintal. Quando estou a vinte dias de completar 24 anos, isso acontece e, o que eu faço? Entrego às crianças que brincam na rua, pois isso já não é mais importante para mim. Não é mais importante? Por quê? O que aconteceu? Eu evoluí, é óbvio. Meus desejos são outros: carro, casa, móveis, reconhecimento profissional e pessoal, falar outras línguas... Eu evoluí! Será? Quem me garante que eu não vou passar a vida toda desejando essas coisas e, um dia, elas não mais farão sentido?

Hoje, sendo o “tiozinho”, não me interesso mais por pipas. Eu corri tanto tempo atrás delas e hoje elas significam nada para mim. Quem sabe isso não vai acontecer com as demais coisas que hoje persigo e, quando eu for velho, tudo que eu vou pedir vai ser um pouco de companhia, carinho, atenção, amor... Tudo que sempre temos desde criança e deixamos de lado para correr atrás daquilo que rapidamente se perde ao vento. A vida é curta demais e voa como uma pipa. Não vale a pena esperar alguém gritar “relo” para correr atrás dela. Pode ser que o que queremos não caia sobre o nosso quintal, mas o que precisamos está sempre dentro de casa. 

Um comentário:

leticia disse...

os sonhos tem que ser realizados e nao exibidos para os outros.

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