Átomos da Vida

Em 2050, cerca de 4 bilhões de pessoas não terão acesso a água; no Brasil, conflitos pelos recursos hídricos aumentaram 32% em seis meses

Fotos: Vieira Junior


Límpida, incolor. A junção entre dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Indispensável à vida. Segundo cientistas e pesquisadores, tudo começou com e através dela. Há consenso entre ciência e religião sobre isso. A própria bíblia cita que, no início, em um planeta vazio e sem forma, o espírito divino movia-se sobre as águas (Gên. 1; 2). Não se pode imaginar vida sem ela. Tanto que, nas missões em busca de vida pelo espaço, o quesito básico para um planeta ser possivelmente habitado é se nele está presente o tão preciso líquido.

Salgada, doce, salubre. Simplesmente água. A água de todos os dias. Dos rios, lagos, nascentes, do mar ou da torneira de casa.

Estima-se que a quantidade de água existente hoje no planeta seja praticamente a mesma comparada ao tempo em que os dinossauros habitavam a terra. São 1,4 bilhão de km³ que cobrem a maior parte do Planeta Terra que, por justiça, poderia ser chamado “Planeta Água”. Contudo, a visão azul proporciona pelas imagens espaciais não reflete a realidade. 97,5% da água de todo planeta é salgada, restando somente 2,5% de água doce em todo o mundo e, desse total, 69,5% não são acessíveis, pois se encontram nas calotas polares, 30,1% estão no subsolo,  e apenas 0,4% estão disponíveis em rios, riachos, lagos, etc. Ademais, há de ser levado em consideração, ainda, a poluição gerada pela ação humana que diminui ainda mais esse número.

A ONU (Organização das Nações Unidas) faz projeções, no mínimo, alarmantes para os próximos 40 anos. Segundo o órgão mundial, em 2025, 2,4 bilhões de pessoas estarão privadas de acesso à água em todo mundo. Mais à frente, 2050 será marcado pela luta constante pelo bem tão precioso à vida. Naquele ano, projeta-se que, dos 8,9 bilhões de pessoas que deverão habitar o planeta, 4 bilhões não terão acesso à água em quantidade e qualidade, o que poderá causar vários problemas de saúde pública, impossibilidade de crescimento econômico e cada vez mais conflitos.

Segundo dados da UNESCO (A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), a quantidade de água doce por pessoa no mundo piora a cada ano. Em 1950 o número era de 16,8 mil m³, a projeção para 2018 é de 4,8mil m³ por habitante. 

Atualmente, mais de 500 milhões de pessoas vivem em situação de escassez hídrica em todo mundo. A ONU criou uma classificação para dizer como é a situação de cada região com relação a água. Na classe “escassez hídrica” estão os países com menos de 1 milhão de litros d’água por habitante/ano. Logo em seguida, vem os chamados “água no limite”, com 1,7 milhão de litros habitante/ano. O Brasil, país que guarda em seu território 15% da água de todo o mundo, está no grupo mais privilegiado com 10 milhões de litros de água por habitante/ano.


O Conflito pela água
Levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra aponta que coflitos pela água no Brasil aumentaram 32% em um período de seis meses

 
Mais de 25 mil famílias conflitam por água em todo o país
Há de se pensar que, pelo menos no Brasil, não há motivos para preocupação com os números tão alarmantes da ONU. Porém, um levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), e divulgado em Setembro 2010, revela que o número de conflitos pela água no Brasil aumentou em 32% entre janeiro e julho de 2010. Foram registrados 29 conflitos pela água envolvendo 25.255 famílias no campo. No ano passado havia sido registrado 22 conflitos envolvendo 20.458 famílias.

Com exceção do Norte, em todas as regiões do Brasil os conflitos pela água cresceram. O Nordeste, por exemplo, registrou aumento de 18,5%, no entanto, os maiores aumentos foram sentidos nas regiões Centro-Oeste, que registrou um aumento de 50%, Sul, com 50%, e Sudeste, com aumento de 175%. Na região Norte, os conflitos caíram, porém, a quantidade de famílias envolvidas nas disputas aumentou de 2.250 para 11.150.
Mas como pode um país com tanta água sofrer com a falta de um recurso tão abundante em seu território? Para o engenheiro ambiental e especialista em recursos hídricos, Alexandre Vilella, “a distribuição hidrográfica, o crescimento populacional e as carências na universalização do saneamento são as principais causas dos conflitos hoje existentes”.
No Brasil, a distribuição populacional não acompanha a hidrográfica. A região Norte possui 68% da água do país e 7% da população. O nordeste, 3% da água e 29% do total dos brasileiros. Contudo, o Sudeste é a que mais sofre com o inchaço e a má distribuição populacional. A região abriga 43% dos brasileiros e apenas 6% de todo recurso hídrico do país. Além disso, é a região mais desenvolvida e industrializada do país, o que aumenta ainda mais a demanda por água.
Segundo o engenheiro agrônomo e coordenador de articulação e comunicação da Agência Nacional de Águas (ANA), Antônio Félix Domingues, o governo prioriza as áreas onde há mais pessoas vivendo na hora de fazer a distribuição, pois não tem recurso, mão de obra capacitada nem técnica para garantir o abastecimento igualitário a todo território. Porém, destaca algumas iniciativas para tentar amenizar o problema “O governo está investindo em obras de estrutura, como a transposição do rio São Francisco, por exemplo, para amenizar essa situação. Além disso, existe um projeto para se desenvolver 1 milhão de cisternas nas regiões onde falta água, e 350 mil já estão prontas”, afirma Domingues.

Outro fator a ser levado em consideração no Brasil é o consumo exagerado e o desperdício da água. A média da destinação do consumo varia para cada região, população, atividade econômica e prioridades, no entanto, os números circulam em torno de 59% na agricultura, 22% no uso doméstico e comercial, e 19% na indústria. Para alguns especialistas, a necessidade básica de consumo diário de uma pessoa pode ser sanada com 40 litros. Porém, o brasileiro chega à marca dos 200 litros consumidos todo dia. Além disso, cerca de 50% de toda água tratada no país se perde antes de chegar às casas, na distribuição, o que significa perda de tempo, energia e dinheiro.
 

A água nas bacias PCJ
 Em períodos de estiagem, disponibilidade de água na região é a mesma 
comparada a países do oriente médio

Sistema Cantareira: reservatório reverte 31 m³/s
das bacias PCJ para a grande São Paulo

As bacias PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí) estão localizadas na região Sudeste do país, justamente onde os conflitos pela água mais aumentaram segundo a CPT. De acordo com os dados do Consórcio Intermunicipal das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Consórcio PCJ), as bacias possuem 15.303 km² e são compostas por 76 municípios, desses, 57 estão no estado de São Paulo e 4 em Minas Gerais, o que totaliza 92,6% em território paulista e 7,4% em solo mineiro.

Com cerca de 5 milhões de habitantes, a região é considerada uma das mais importantes do Brasil devido ao seu desenvolvimento econômico, que representa em torno de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. No entanto, segundo o secretário executivo do Consórcio PCJ, Dalto Fávero Brochi, a escassez dos recursos hídricos pode ameaçar essa prosperidade. “A produção de água durante a estiagem na nossa região fica em situação crítica para o abastecimento. A ONU considera como critica uma bacia com disponibilidade inferior a 1500 m³/ habitante/ano. Nas bacias PCJ, o índice, em períodos de estiagem, gira em torno de 408 m³/habitante /ano. Um número comparado a alguns países do Oriente Médio”, afirma Brochi.

Ainda segundo o secretário, a demanda de água nas bacias PCJ é de 14,5 m³/s para uso industrial, 9,1 m³/s para consumo rural e 17,3 m³/s para uso urbano. A situação se agrava com a reversão de 31 m³/s de água, pelo Sistema Cantareira, para o abastecimento de aproximadamente 50% da população da Região Metropolitana de São Paulo, o que abrange cerca de 9 milhões de pessoas.

Para o coordenador geral da Agência de Águas PCJ, Francisco Lahóz, a má qualidade da água também contribui para a escassez na região das bacias que dispõem, atualmente, de 50% do esgoto doméstico tratado e de 92% das cargas orgânicas industriais removidas. Contudo, o trabalho de gestão foi o que garantiu com que, hoje, a situação não fosse pior.

“Os mecanismos de gestão implantados nas bacias PCJ, como a implantação da cobrança pelo uso da água, foi o que garantiu o abastecimento nos dias atuais, pois colocou um certo limite na utilização do recurso. Há vinte anos possuíamos 3% de tratamento de efluentes, hoje, saltamos para 50% e temos a previsão de que, até 2014, alcançaremos os 100%”, diz Lahóz.

Apesar das dificuldades, o sistema de gestão nas bacias PCJ fez com que a região se transformasse em modelo para o país em gestão dos recursos hídricos. Em 20 anos, o índice médio de perdas saiu dos 50% para os atuais 37%, sendo que em alguns municípios esse número chega a ser ainda menor: cerca de 20%.
 

Água da chuva: uma alternativa que cai do céu
Além de ser uma das melhores alternativas para a escassez hídrica, iniciativa pode significar economia de 95% na conta

Baixa qualidade das águas aumentaram procura por poços
A intenção do governo - citada anteriormente pelo coordenador de articulação e comunicação da ANA, Antônio Félix Domingues – de construir 1 milhão de cisternas onde a água é escassa, revela uma boa alternativa para o problema da falta d’água: o armazenamento e o aproveitamento da água de chuva.

Em alguns casos a economia pode chegar a 95%. É o caso do Auto Posto Tio Billy, de São Paulo.  O posto decidiu investir no sistema para deixar de utilizar água tratada na lavagem dos carros. Segundo o executor do projeto, o engenheiro especialista em aproveitamento de água de chuva, professor Plínio Thomaz, “após aderir o sistema, o posto viu sua conta de água diminuir. Antes pagavam R$1.200 e, agora, pagam somente a conta mínima de R$ 60”, afirma.

Ainda segundo o professor, O aproveitamento da água de chuva é viável economicamente em casas com mais de 250m², pois as concessionárias subsidiam a água até 20m³ /mês para consumo residencial.
 
 A opção é uma boa estratégia para “driblar” o desperdício e a escassez. No entanto, possui limitações. De acordo com o engenheiro ambiental e especialista em recursos hídricos, Alexandre Vilella, o aproveitamento da água da chuva é um instrumento importante, porém, não deve ser visto como solução, principalmente porque “a variação dos índices de chuva, os custos de implantação e conservação das águas ainda são altos. Além disso, somente pode ser usada para fins não potáveis: lavagem de carros, descargas em bacias sanitárias e rega de jardim”, completa Vilella.

O maior obstáculo para se investir no sistema, é o alto custo dos materiais, mais especificamente, do sistema de armazenamento.  Com captação, pouco se investe, afinal toda coleta da água é feita através do telhado e das próprias calhas da casa. No entanto, o que torna o sistema caro, é o valor cobrado pelas cisternas. Um reservatório com capacidade de 10 mil litros custa em torno de R$8 mil. Depois disso, o dono da casa terá de investir ainda cerca de R$1 mil com filtro e bomba para lançar a água nos vasos sanitários, pomares ou qualquer outra área. Contratando uma empresa especializada, o custo gira em torno de 12 a 15 mil reais.
 




Barateando custos
 Construir a própria cisterna pode reduzir o preço do sistema em mais de 50 %
O alto custo quase fez com que o casal Pedro Valarini e Ivete Amstalden desistisse, de instalar o sistema na construção da nova casa. Segundo Valarini, a idéia de obter um sistema de aproveitamento de água de chuva veio do filho, Guilherme, que é engenheiro ambiental, porém, o preço assustou. 

“O meu filho que incentivou e nos fez correr atrás, mas quando vimos o preço nós quase desistimos. Foi quando eu conversei com a pessoa que estava construindo a minha casa e contei a ele a nossa vontade. Então surgiu a idéia de fazer uma cisterna de alvenaria” diz Pedro Valarini.

A idéia de construir uma cisterna por conta própria barateou o preço do sistema em mais de 50 %. Ao todo, o casal investiu cerca de R$ 2,5 mil com materiais (tijolos, impermeabilizante, encanamentos, bomba e filtro) e mais R$ 2,5 mil com mão de obra.

            Pedro Valarini utiliza água da chuva no pomar
               e na lavagem do piso e da calçada de casa
 A água armazenada na cisterna é utilizada para regar o pomar com mais de 20 espécies de mudas de árvores frutíferas e também a horta nos fundos da casa. Além disso, disso a limpeza do piso somente é feita com a água da chuva. “O melhor de tudo é você deitar e saber que você está com a consciência limpa com o meio ambiente. Isso não tem preço”, destaca Ivete.





  
*Esta matéria foi publicada na revista Painel, da Unimep

Nenhum comentário:

Postar um comentário