Bola na Cesta


Arquivo pessoal
 Por Vieira Junior e Larissa Molina
Fotos: Cynthia da Rocha
História de sucesso no esporte brasileiro. Assim é a vida de Nádia Bento de Lima, hoje com 45 anos, casada. Ela integrou a equipe de Seleção Brasileira de Basquete feminino que contava ainda com estrelas como Hortência e Paula: ajudou o grupo a conquistar a primeira vaga olímpica para o esporte; participou dos mundiais da (então existente) União Soviética (1986) e Malásia (1986); foi vice-campeã da Copa América (1989), medalha de prata nos jogos panamericanos de Indianápolis (EUA, 1987) e ouro em Havana (Cuba, 1991). Além disso, consagrou-se campeã sul-americana por quatro vezes: Brasil (1986 e em 1995), Chile (1989) e Colômbia (1991).
Do riso às lágrimas, a atleta conta para a Painel sobre sua infância, família e revela as mudanças que aconteceram ao longo de sua vida. A atleta atuou por clubes como XV de Novembro, Unimep, BCN (SP), Ponte Preta (SP), Santo André (SP), Piracicaba.
Com estatura de 1,70m, Nádia foi campeã mundial pela Ponte Preta; por diversas vezes foi campeã brasileira e também tri campeã do torneio Cristal Palace de Londres.
A ex-estrela do basquete teve, em 2010, mil convidados na festa de seu casamento. Hoje, Nádia não se dedica mais ao esporte. Mora em Águas de São Pedro e gerencia uma rede de escola profissionalizante. Carrega consigo muitas lembranças, aprendizado e, claro, fãs. 

Painel- Como foi sua infância e a relação com a família?
Nádia Bento de Lima - Sempre fui muito unida à minha família. Eu até estou um pouco sensível para falar sobre isso porque perdi meu pai no ano passado. Lembro que quando comecei a me dedicar ao esporte na escola eu não tinha tênis. Sem condições, a minha mãe comprava e pagava em três vezes. Mas quando ela acabava de pagar, meu tênis já tinha acabado e eu precisava de outro. Um tempo depois eu comecei a ganhar o calçado, por causa de meus patrocinadores. O primeiro tênis que ganhei era vermelho. Hoje ele estaria fora de moda, mas naquela época... Nossa! Eu adorava. O meu pai trabalhava como segurança e a minha mãe, como empregada doméstica. A gente morava em uma casa que só tinha um quarto. Meu irmão dormia na cozinha e eu no quarto dos meus pais, em um beliche com a minha irmã. Uma noite eu ouvi minha mãe chorando e dizendo que se a gente comesse naquele mês, não pagaríamos o aluguel. Então eu falei para Deus que a primeira coisa que eu queria fazer era comprar uma casa para a minha família. E, realmente, foi a primeira coisa que fiz quando tive dinheiro.

Painel- Como você se envolveu com o basquete?
Nádia - Costumo dizer que a minha é história é meio que destino. Eu comecei a me envolver com o esporte quando eu tinha 11 anos de idade. Tudo começou no colégio Mello Ayres, em Piracicaba. A professora Maria Helena Cardoso, que hoje mora em Campinas, falou que queria montar times de todas as modalidades na escola. Reuniu os alunos e pediu que se dividissem em grupos de diferentes categorias esportivas.  Entrei no time de voleibol, mas como as equipes ficaram mal distribuídas, a professora começou a nos reorganizar. Ela me tirou do vôlei e colocou no basquete. Eu chorei com aquilo, não gostei da troca. Mas tive que ficar. No primeiro dia de treino de basquete eu peguei a bola e corri na quadra de ponta e acertava as duas cestas. No final, a professora me disse: “Você tem o dom para jogar basquete e ser uma atleta. No pouco que te vi, percebi sua velocidade. Se você se esforçar, um dia poderá jogar na seleção brasileira”.  Comecei a treinar quase o dia todo. Durante o recreio eu ia na quadra e jogava sozinha. Todo mundo ficava me olhando. No final da aula eu ia para casa, tomava banho, nem almoçava direito e voltava jogar. Eu não queria mais fazer nada, só jogar.


Painel- Qual a melhor lembrança dessa fase?
Nádia - A minha família. A melhor parte foram os conselhos dos meus pais que até hoje faço valer. Foram bons conselhos de pessoas honestas. A partir deles, mesmo no meio esportivo onde vivi, sempre deixei boas lembranças.


Painel- Como era a Nádia na escola?
Nádia - Eu sempre fui bem em exatas. Agora, em português eu não era nem a pior e nem a melhor, digamos que eu era mediana. Mas eu nunca repeti de ano. Também porque quando a gente jogava era exigido que fôssemos bem nas disciplinas. Essa foi uma parte que a professora Maria Helena fez valer na escola.  

Painel- Você esperava atingir tudo que conquistou?
Nádia - Bem... Tudo foi uma conseqüência. Quando minha professora me elogiou eu me atentei e fui dando o meu melhor. E quando a gente fala em melhor, não fala em 100%, mas em 120%, 140%. Em qualquer coisa, se você não tiver uma dedicação, não se torna um diferencial. Eu nunca gostei de ser mais uma. Sempre gostei de ser o diferencial. Na verdade, eu nunca gostei de perder nem em par ou ímpar (risos).

Painel- Qual o jogo que não sai da sua cabeça?
Nádia - Quando nosso time foi jogar com a Hortência (Hortência Maria de Fátima Marcari) minha técnica disse assim: “Aquela é a Hortência. Ela faz 50 pontos por jogo. Hoje você vai ficar marcando ela, sem deixar ela até respirar”. Foi o que eu fiz.  Ela me deu cotoveladas e sempre perguntava: “De onde saiu esse carrapato?”. Naquele jogo ela só fez oito pontos. Foi aí que eu comecei a ficar conhecida. No jornal da cidade foi estampado o título “Nádia não se intimidou entre as estrelas”.  E até em recente reportagem, no Jô Soares, a Hortência disse que eu fui a única jogadora que conseguiu marcá-la.  

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Painel- E depois, como ficou sua relação com ela e todas as jogadoras na seleção olímpica?
Nádia - Era uma rivalidade muito grande porque eu joguei por muitos anos no clube da Paula (Maria Paula Gonçalves da Silva). Assim, por muito tempo contra a Hortência. Mas acho que quando envolve a nação, o patriotismo, aí muda tudo. Quando a gente se encontrava na seleção, nós éramos a seleção brasileira. Mas esta geração do basquete foi bastante unida. Tinha muita gente talentosa. Infelizmente, hoje não têm tantas jogadoras talentosas como na nossa época. A gente acabou se tornando uma família, já que viajávamos muito e, assim, precisávamos ter uma boa união mesmo.

Painel- Como foi parar?
Nádia - Eu parei em 1996, um pouco antes das Olimpíadas de Atlanta e foi uma decisão minha. Talvez eu pudesse ter jogado mais, ninguém tinha físico como eu, eu nunca fumei, nunca bebi, nunca tive vícios. Eu era considerada o ‘Cafu’ do basquete. Mas, no esporte, para você atingir um certo nível, se persistir, consegue chegar. Agora, para manter aquele estrelato é mais difícil. Eu cheguei num ponto que comecei a perceber o quanto eu estava dando de mim mesmo. Percebi que não estava sendo satisfatório e resolvi parar. Foi um alvoroço porque recebi muitos pedidos para que eu voltasse a jogar. Mas, ao meu ver, foi bem calculada esta decisão.

Painel- Ainda hoje você tem contato com as jogadoras da sua época?
Nádia - Sim, convidei todas elas para o meu casamento. Tenho contato por e-mail com  Adriana, Paula, Hortência, Janete e Branca. 
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Painel- Depois que você parou quais foram as portas que o basquete abriu a você?
Nádia - Na época que parei eu montei um supermercado. Não deu muito certo. Eu ainda investi em outros empreendimentos próprios. Eu, sendo a Nádia, poderia ir para qualquer lugar, mas eu quis fazer algo que fosse um desafio para mim. E então eu vi um anúncio no jornal que dizia que precisavam de vendedores internos. Eu mandei currículo e fui contratada como telemarketing. Para mim foi uma das maiores experiências da minha vida, porque eu precisava invadir o espaço das pessoas para conseguir efetuar a venda. Mas eu me dei bem porque sempre fui muito honesta. A partir daí eu fui mudando de função, até chegar ode estou hoje.

Painel- Você sente falta da mídia?
Nádia - Não. Eu acho que para tudo há um tempo. O que eu preciso fazer é um blog porque muitos fãs me procuram e lamentam por não encontrar informações sobre mim na internet. Quando a gente se torna uma pessoa pública, parte de si não é mais da gente.

Painel- Do que você mais sente falta?
Nádia - Do aprendizado. Tudo que alguém possa estudar em um livro, não é como estar pessoalmente. Eu viajei para muitos países, conheci muitos lugares. Essa cultura que tenho não foi encontrada em livros, foi encontrada no esporte. Isso é algo que não esqueço. E também, a convivência em grupo me trouxe um aprendizado muito grande. Quando vou dar treinamento aos meus funcionários sempre comento sobre a união como em um esporte. É o que tenho por base.

Painel- E aquela história de correr ao lado de Fernando Collor de Mello, o então presidente da República? Conte a respeito.
Nádia - Ele era um ótimo corredor. Um dia ele convidou artistas de diversos setores para correr com ele.  Eu fui a única que cheguei com ele até o final. O presidente conhecia o basquete feminino e era fã. A equipe conheceu tudo dele, só ficou de fora o quarto. Do Sarney a gente recebeu a Medalha do Mérito. É uma comenda que poucos atletas recebem. Fernando Henrique Cardoso recebeu a gente também, isso aconteceu um pouco antes das Olimpíadas de Atlanta, quando eu parei.


Painel- Financeiramente, o que o basquete trouxe a você?
Nádia - Eu não vou falar que eu não ganhei dinheiro, seria injusto... Mas não ganhei tanto dinheiro assim.

Painel- O que foi o basquete para você?
Nádia - O basquete contribuiu com a minha formação como pessoa, como ser humano. Para mim, foi uma honra ter sido o que eu fui. Ele foi a base da minha vida. Tanto o basquete como qualquer outro esporte traz um benefício muito grande na vida do ser humano: na parte cultural, financeira, no caráter.

Painel- Antes você vivia para o exercício físico. E hoje, consegue ficar parada?
Nádia - Eu não tenho muito tempo para me dedicar a exercícios físicos, mas eu tenho uma esteira em casa, que, na verdade, raramente tenho coragem de usar. Estou me sentindo uma pessoa sedentária. Eu realmente preciso fazer exercícios. O que eu tenho vontade é de comer chocolate, jantar fora, viajar... (risos).

Painel- O que mudou no basquete brasileiro comparado à sua época?
Nádia - Atualmente o basquete feminino sofre com algumas partes gerenciais. Hoje o basquete poderia ser bem melhor. Aliás, ao meu ver, o basquete feminino sempre foi mal gerenciado. Digo isso quando comparamos com o vôlei, por exemplo. Hoje a Hortência faz parte da confederação (diretora da Seleção Brasileira de Basquete Feminino) e está tentando melhorar isso.


Painel- Como é jogar basquete no país do futebol?
Nádia - Um desafio. O grupo que conquistou a vaga na primeira Olimpíada foi o que abriu caminho para a melhora do esporte no Brasil.

Painel- Você sente falta do ginásio cheio?
Nádia - Não, porque para tudo há um tempo. Esse é um tempo que já se foi e eu sou extremamente agradecida pelo reconhecimento dessas pessoas. O maior reconhecimento são os fãs.

Painel- Como era sua relação com torcedores e fãs? Você já foi muito assediada?
Nádia - Todas nós jogadoras já fomos muito assediadas. Eu recebia muito presente, pedidos de casamento, flores. Têm muitos que se aproximavam da gente porque éramos atletas. Mas eu gostava muito daqueles que eu percebia que se aproximam de mim por causa de minha essência como pessoa. Mas eu gostava de ganhar coisas simples, como cartolinas, coisas pessoais. Teve vezes de nos pedirem a chucha de cabelo, o fio de cabelo, para guardarem em agenda. Uma vez guardaram até o chiclete da Hortência, porque quando a pessoa é fã, faz de tudo. Eu me emocionava muito com criança. Às vezes, elas nem sabiam quem eu era, mas estavam ali. Na verdade, fã é como um termômetro na vida do atleta, por meio deles enxergamos o que estamos fazendo.

Painel-  E o que a fama te mostrou?
Nádia - Talvez se perguntasse para qualquer outro, a resposta seria diferente. Mas o que consigo enxergar é que somos todos iguais, sendo atletas, artistas ou não. Nós não somos acima do fã, somos todos iguais, seres humanos; temos dois braços, duas pernas. Essa foi a lição que tirei. Muitos, por estarem na mídia, não tratam bem as pessoas. Mas nós, perante Deus, somos todos iguais. Eu, por exemplo, nunca fui de gostar tanto de publicidade, mesmo sendo a Nádia. Porque na hora que eu não estava jogando eu queria ser alguém comum.  

Painel- Há algum tempo você se tornou evangélica. Como é sua relação com Deus?
Nádia - O esporte preencheu durante muito tempo o lado profissional, mas todo ser humano tem o lado espiritual. Temos que procurar preencher essa parte também. Eu me encontrei de uma maneira muito especial. Faz 16 anos que faço parte da Congregação Cristã no Brasil. Isso preencheu uma parte que parecia estar incompleta. Eu converso com Deus como se nós estivéssemos conversando aqui. Se nós cremos em Deus, temos que crer de verdade. Eu falo com Ele constantemente, todos os dias. Eu tenho visto Ele todos os dias.

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Painel- No ano passado você se casou. Pensa em ser mamãe logo?
Nádia - Acho que o sonho de toda mulher é ter um filho. Hoje eu tenho 45 anos, vou fazer 46 e não posso esperar muito tempo. Eu deixei em aberto, para ser a vontade de Deus.

Painel- Qual a diferença da Nádia do Basquete para a Nádia esposa?
Nádia - Sou a mesma como pessoa, eu sempre fui muito emotiva, agora, tanto para ser esposa, como para ser atleta, você precisa de habilidade (risos). Faz seis meses que eu casei, mas casei com uma jóia preciosa. Eu me sinto feliz hoje.

Painel- Você faria tudo de novo?
Nádia - Se eu for analisar tudo o que eu vivi, faria tudo de novo com certeza. E ainda falo: gostaria de ter a cabeça que eu tenho hoje para fazer o que eu fiz. Se eu unir tudo o que eu fiz no esporte e o meu lado espiritual, me sinto bem.

Painel- Quais os planos para o futuro?
Nádia - Eu penso assim: Deus ajuda, mas não quer que a gente fique de braços cruzados. Sei que Ele é maravilhoso, mas eu nunca tive medo de trabalho e nem preguiça. Hoje sou feliz onde estou. O que eu ganho é mais do que satisfatório, sou reconhecida e estou bem. Futuramente, quero me preparar para ter o meu negócio próprio, com uma visão diferente das outras vezes. Já estou começando a me preparar.

Painel- O que você diria para quem sonha jogar basquete profissionalmente?
Nádia - Não desista nunca! Existem pessoas que começaram comigo, mas que diante dos desafios, tão pequenos, desistiram. Na minha época, em Piracicaba, começamos com muitas meninas. Hoje encontro pessoas que jogaram comigo na mocidade e falam: “Ah se eu tivesse continuado”. Também é necessário ter foco, ser persistente e saber que tem que ter renúncia. Eu gostava muito de ir para boates e, por quantas vezes, eu não pude ir. Tem sempre aquele que fala que não vamos conseguir. Mas se o Silvio Santos tivesse ouvido isso antes, hoje não estaria onde está.


*Esta entrevista foi veiculada na revista Painel, da Unimep

Um comentário:

Lubaumanncestas.blogspot.com disse...

decorei este casamento............me senti mui honrada pela celebridade pela pessoa

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